Tuesday, November 22, 2005

A poça e o homem

O homem se lava com a água da poça.
Pelo meio da rua, os carros passam e contemplam o inesperado espetáculo.
Alguns buzinam e outros estranham.
A multidão curiosa começa a se aglomerar. Por pouco um banho público não vira atração pública em plena Avenida das Américas.
Mas o homem não liga e parece alheio ao que quer que esteja acontecendo ao seu redor.
Muito pelo contrário, ele ri, aproveita, se molha e se refresca com a chuva de ontem que ainda não evaporou.
O que pra muitos seria um obstáculo, para o tal homem se transformou em ajuda, das grandes.
A sujeira daquela água parece purificá-lo.
O povo apenas observa, mas ninguém repara que na verdade, a poça virou um enorme espelho para o céu.

E o homem agora está nas nuvens.

O menino

Eu vi um menino sentado no meio-fio. Sua cabeça virava incessantemente para os lados a procura de algo. Um amigo, sua mãe, ou talvez apenas procurasse por alguma esperança que nunca virá.
Foi a primeira vez que o vi, e provavelmente nunca mais o verei de novo. Nosso contato foi unilateral e não durou mais do que três segundos. Tempo mais que suficiente para unir nossas vidas pra sempre.
Ele não me viu e dentro de sua cabeça de quem não crê, não faz a menor idéia da importância que sua presença teve sobre alguém que passava naquele momento dentro de um carro. Alguém afastado pela blindagem, pelo vidro fumê e pela barreira intransponível do receio.
Porém, mesmo sem saber, eu e aquele menino dividimos um segredo. Na sua espera ansiosa, eu vi refletida a minha vida inteira e imediatamente dividi com ele todas as suas angústias. Ele herdou as minhas.
Porém angústia que se divide, se dissipa, e com esse (des)encontro medroso, nos tornamos mais fortes. Seguros por saber que não somos os únicos no mundo a temer a esperança, e coragem pra tê-la mesmo assim.